Vontade de viver
O exemplo dos sem-abrigo de Lorrach
Mário Bettencourt Resendes>>Jornalista>>
A notícia tem já meia dúzia de semanas. E impressionou-me pela >violência rara e brutal dos factos relatados.>>Recorrendo a meios típicos da Pré-História informática, recortei-a e >foi para o dossier dos "assuntos pendentes", à espera de uma >oportunidade para escrever sobre o assunto. A escassos dias do >Natal, um tempo próprio de celebração da vida, surge a ocasião >adequada.>>Vamos ao tema. Era uma breve, vinha num baixo de página do Público e >dizia, em síntese, o seguinte: "Uma rapariga de 21 anos subiu ao >telhado do edifício da câmara da cidade alemã de Lorrach, com a >intenção de pôr termo à vida. Uma multidão de mirones juntou-se na >praça e uma parte dos presentes, na sua maioria entre os 16 e os 19 >anos, encorajaram a jovem a saltar (!) [o ponto de exclamação é da >responsabilidade do autor deste texto]. Alguns sem-abrigo, que >habitualmente ocupam o lugar, protestaram. Os ânimos aqueceram e em >pouco tempo havia mais de 40 pessoas envolvidas em confrontos. A >polícia teve de intervir para separar os dois grupos e seis agentes >ficaram ligeiramente feridos. A jovem acabou por descer e foi >conduzida a uma clínica da região.">>Sempre encarei o suicídio como uma desistência. Já vi, ao longo da >vida, muita tristeza e desespero, desilusões imensas, dores brutais >que trazem a negritude dos horizontes. E sei que a mente humana é um >mundo complexo, com profundezas onde não impera a lógica, com >distorções que dominam os comportamentos e eliminam a razão. E >também não ignoro que há situações terminais, em que a chegada da >morte natural pode ser um alívio.>>Mas conheci também resistentes, que nunca deixaram cair os braços, >mesmo quando era óbvio que o caminho não tinha saída. Não vislumbro, >confesso, qualquer coragem no suicídio. Há mesmo, no Jardim do >Colégio, em Ponta Delgada, um banco que é das poucas coisas que me >afastam de Antero: foi aí, no dia 11 de Setembro de 1891, que o mais >genial dos meus conterrâneos desistiu da vida.>>O episódio da jovem de Lorrach choca menos pelo desespero de uma >rapariga do que pelo incitamento ao suicídio por parte de um grupo >onde, eventualmente, estariam alguns dos seus amigos. Como é >possível que jovens, "com idades entre 16 e 21 anos", tentem >empurrar para a morte "um dos seus", quase como se se tratasse de >uma paródia de sábado à noite, quiçá uma proeza merecedora de >aplauso post mortem?>>E há depois a reacção, que nos reconcilia um pouco com a vida, dos >sem-abrigo que se indignaram. Eles, essa gente que, pelos mais >variados motivos, pouco tem a esperar do futuro, revoltaram-se >contra a morte e contra aqueles que, com uma crueldade sem limites, >queriam o espectáculo de um suicídio em directo.>>Não falta hoje quem passe pelo Natal com um sentimento de fastio. E >a verdade é que o mundo moderno, nas sociedades mais de- >senvolvidas, transformou a quadra num fes- tival de consumismo, com >a multiplicação de ofertas e felicitações "obrigatórias" - não >esquecendo as sessões gastronómicas que arruínam a elegância e >ameaçam a saúde.>>Com ou sem convicções religiosas, pouco sobra para um tempo genuíno >de celebração da vida.>>O jornalista deixa-vos, aqui, a propósito do Natal, o exemplo dos >sem-abrigo da praça central de Lorrach como fonte de meditação. E >repete a frase tantas vezes escrita nestas colunas: "Só é vencido >quem desiste de lutar."
Mário Bettencourt Resendes>>Jornalista>>
A notícia tem já meia dúzia de semanas. E impressionou-me pela >violência rara e brutal dos factos relatados.>>Recorrendo a meios típicos da Pré-História informática, recortei-a e >foi para o dossier dos "assuntos pendentes", à espera de uma >oportunidade para escrever sobre o assunto. A escassos dias do >Natal, um tempo próprio de celebração da vida, surge a ocasião >adequada.>>Vamos ao tema. Era uma breve, vinha num baixo de página do Público e >dizia, em síntese, o seguinte: "Uma rapariga de 21 anos subiu ao >telhado do edifício da câmara da cidade alemã de Lorrach, com a >intenção de pôr termo à vida. Uma multidão de mirones juntou-se na >praça e uma parte dos presentes, na sua maioria entre os 16 e os 19 >anos, encorajaram a jovem a saltar (!) [o ponto de exclamação é da >responsabilidade do autor deste texto]. Alguns sem-abrigo, que >habitualmente ocupam o lugar, protestaram. Os ânimos aqueceram e em >pouco tempo havia mais de 40 pessoas envolvidas em confrontos. A >polícia teve de intervir para separar os dois grupos e seis agentes >ficaram ligeiramente feridos. A jovem acabou por descer e foi >conduzida a uma clínica da região.">>Sempre encarei o suicídio como uma desistência. Já vi, ao longo da >vida, muita tristeza e desespero, desilusões imensas, dores brutais >que trazem a negritude dos horizontes. E sei que a mente humana é um >mundo complexo, com profundezas onde não impera a lógica, com >distorções que dominam os comportamentos e eliminam a razão. E >também não ignoro que há situações terminais, em que a chegada da >morte natural pode ser um alívio.>>Mas conheci também resistentes, que nunca deixaram cair os braços, >mesmo quando era óbvio que o caminho não tinha saída. Não vislumbro, >confesso, qualquer coragem no suicídio. Há mesmo, no Jardim do >Colégio, em Ponta Delgada, um banco que é das poucas coisas que me >afastam de Antero: foi aí, no dia 11 de Setembro de 1891, que o mais >genial dos meus conterrâneos desistiu da vida.>>O episódio da jovem de Lorrach choca menos pelo desespero de uma >rapariga do que pelo incitamento ao suicídio por parte de um grupo >onde, eventualmente, estariam alguns dos seus amigos. Como é >possível que jovens, "com idades entre 16 e 21 anos", tentem >empurrar para a morte "um dos seus", quase como se se tratasse de >uma paródia de sábado à noite, quiçá uma proeza merecedora de >aplauso post mortem?>>E há depois a reacção, que nos reconcilia um pouco com a vida, dos >sem-abrigo que se indignaram. Eles, essa gente que, pelos mais >variados motivos, pouco tem a esperar do futuro, revoltaram-se >contra a morte e contra aqueles que, com uma crueldade sem limites, >queriam o espectáculo de um suicídio em directo.>>Não falta hoje quem passe pelo Natal com um sentimento de fastio. E >a verdade é que o mundo moderno, nas sociedades mais de- >senvolvidas, transformou a quadra num fes- tival de consumismo, com >a multiplicação de ofertas e felicitações "obrigatórias" - não >esquecendo as sessões gastronómicas que arruínam a elegância e >ameaçam a saúde.>>Com ou sem convicções religiosas, pouco sobra para um tempo genuíno >de celebração da vida.>>O jornalista deixa-vos, aqui, a propósito do Natal, o exemplo dos >sem-abrigo da praça central de Lorrach como fonte de meditação. E >repete a frase tantas vezes escrita nestas colunas: "Só é vencido >quem desiste de lutar."
0 Comments:
Post a Comment
<< Home